domingo, 27 de outubro de 2013

Meu corpo. Minhas loucuras!

Ao entrar ali, senti meu corpo reagindo. A respiração descompassada, do medo daquilo que é desconhecido. Ao entrar me deparei com uma mulher me benzendo, aquilo se fazia necessário naquele instante de pavor. Logo mais a frente a mesma mulher pediu para que fizesse uma ligação para sua irmã e eu na minha LOUCURA SÃ perguntei o número para ela que só me respondia: OI, TIM.

Entrei em uma salinha muito acolhedora e fui recebida atenciosamente por Ingrid Kaline Souza, a mentora do projeto INTERNAÇÃO- Ações performáticas para doido ver. Percebi minha boca seca e o estômago doendo, normal para quando me encontro nervosa. Conversamos um pouco, eu, Ingrid e Aninha (Ana Luíza Bione). Era tão claro meu temor que as duas se dispuseram a me tranquilizar. Pouco tempo depois entra na sala Telma, funcionária do hospital, trazendo consigo seu neto que deixa escapar o comentário de que morre de medo deles (dos loucos), Telma certeira como uma flecha responde:

- Você deveria ter mais medo de quem está lá fora!

E o pior, de forma consciente, pensei imediatamente. Logo após o comentário da Telma, senti a necessidade de meditar e assim o fiz. Parei em um canto, fechei os olhos, respirei profundamente e me pus a não pensar. Senti aos poucos o corpo relaxar, mas ainda havia uma tensão. Sai de meu silêncio e comecei a conversar,  no meio da conversa entra na pequena sala, Diogo Lins e Rebeca Gondim, também um pouco apavorados, era nítido pelo corpo deles e eles confirmaram, estavam apreensivos.

Fui me trocar e de lá do banheiro escuto um dos internos cantar uma música de Legião Urbana:

- ... Um dia pretendo tentar descobrir, porque é mais forte quem sabe mentir!!..

Me pus a chorar escondida, e percebi que nós que estamos cá do outro lado somos essa parte forte que sabe  mentir.

Lá, naquele lugar, me lembrei do meu primeiro espetáculo de dança que fiz na Compassos. Chamava-se Contrastes. Estudamos Jean Genet, Van Gogh e Artur Bispo do Rosário. Nesse lugar meu corpo parece ter voltado àquela pesquisa, voltado no tempo e no espaço.

Mais tranquila fomos todos nos apresentar. A performance de Diogo e Rebeca era só alegria e muita, mas muita interação mesmo. Eu via um conjunto, cada corpo com sua história, com seu peso. Vi todos a pular, cantar, rir, dançar e confesso que foi um dos momentos mais belos que já vi. Olhei mais à frente e vi Ingrid como um deles, LOUCA, insanamente e permissivamente LOUCA e me emocionei. Estabeleci vários contatos, com eles. Me impressionei com a profundidade no olhar de uns e de como outros estavam tão longe, tão distantes dos seus próprios corpos.

Quando chegou a vez do Coletivo Cênico Tenda Vermelha eu já estava familiarizada com o ambiente. Começamos e eles começaram conosco, participaram ativamente de nossa apresentação, uns jogaram capoeira, outro pulava, outros olhavam atentos e outros não estavam nem ali, mas estavam ali. Direcionei meu olhar para um deles e comecei a recitar Consagração à Criatura de Elisa Lucinda. Ele respondia a tudo que eu falava, me segurei para não chorar e prossegui. Pulei com eles, cantei e dancei para eles. Eu e Aninha queríamos a Deusa do universo conosco, a Pachamama que acolhe os filhos como eles são e foi isso que fizemos e foi isso que ficou para eles.

No final, uma das pacientes falou para Aninha que viu a Divindade em nossa apresentação, um dos moços me disse que era cineasta e que iria viajar em breve para Hollywood para fazer um filme sobre Hércules. De repente o mesmo rapaz diz que é salvo todos os dias por Hércules, por Buda, por Jesus, por Krishna e assim ele foi e eu também sou, salva todos os dias por todos eles.

Percebo uma linha muito tênue entre ser sã e louco. A qualquer momento essa linha pode arrebentar, partir, se romper. Quando a gente não aguenta mais, a gente enlouquece. E de fato, todo artista tem pouco ou muito de loucura, mas tem. A gente faz arte, porque não aguentamos mais.

Quero agradecer imensamente a Ingrid Kaline Souza pelo convite, e dizer que este foi o público mais afetuoso e mais bonito para quem já me apresentei na vida.


2 comentários:

Anaíra disse...

Janaína, me emocionei com seu relato. Tenho pensado e vivido muito isso... Muito grata, lindeza.

Janaina Gomes disse...

Obrigada Anaíra!!!!